Segunda-feira

Segunda-feira
.
Acordou depois de uma noite agitada. O calor começava a dar sinais de que as noites não seriam mais tão tranquilas. Ele não gostava de ar condicionado e o ventilador de teto também trazia um certo incômodo. Precisava comprar o bom e velho ventilador de seis pás. Tinha uma receita infalível: ligava na força máxima e direcionava o vento para a parede em
diagonal a cama. O vento batia na parede e seguia o seu caminho, deixando o ambiente agradável, sem aquele ar direto sobre seu corpo. Funcionava mesmo.
.
Talvez a noite estranha o tenha feito acordar mais instrospectivo. Preparou o café e quando sentou no sofá, a cachorrinha, que já estava alimentada, o encarava com aquele olhar interrogativo e com as orelhas muito atentas. Largou tudo, preparou o celular e fez o registro. Seguiu por alguns instantes fazendo carinho no animal. Depois da comida, ela ficava entregue. Ele lembrou da história do chapeuzinho vermelho e começou a brincar com o animal: “porque estes olhos tão grandes?, porque este olhar tão profundo?, porque estas patas tão enormes?, porque este focinho tão comprido?”.
.
Compartilhou alguns segredos com ela. E desejos também. Ela seguia imóvel e atenta. Parecia entender tudo. Pra ele, em silêncio, disse que talvez não fosse bem assim, mas era melhor que ela não soubesse.
.
Sentou ao seu lado e seguiu com o café da manhã enquanto ela já posicionada, agora na sua frente, esperava um pedacinho de pão.
.
Era segunda-feira.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
#cronicas #escritaafetiva #escritoscomcoracao #cotidianoemtexto #textosleandroselister

Cassagemas

Cassagemas
.
Era para ser apenas mais um dos passeios com a cachorrinha, quando um perfume adocicado o atingiu em cheio. Não lembrava de ter visto algum pé de Jasmim nas ruas do seu bairro. O perfume ficava cada vez mais forte. Ele seguiu caminhando até que o encontrou. O perfume da flor o lembrava final de ano, Natal, festas, mas naquele momento, a lembrança era outra. Já se passavam treze anos desde que o seu gato havia partido. Ele até havia escrito um texto sobre a sua despedida. O último perfume, que ocupou a casa, foi de um jasmim recebido por uma amiga. Todas as lembranças vieram na sequência. Treze anos de amor, de brincadeiras, de cumplicidade. Treze anos daquele gato manhoso que mais parecia um cachorro. A partir daquele dia, o perfume do jasmim assumia outro sentido. Era o jasmim do Cassa, apelido do felino.
.
Foram oito anos prometendo que não teria mais um animalzinho. A dor da despedida tinha sido muito forte, mas a vida seguiu até que o encontro com a cachorrinha o arrebatou. Lembrou de todos os dezesseis anos com o gato e agora, olhando para o pé de jasmim, tudo era doce e leve. O tempo cura tudo.
.
Olhou para a cachorrinha que espichava o nariz para a pequena árvore florida e adocicada. Era muito provável que ela fosse a sua última companheira de quatro patas e desejou que ela vivesse o maior tempo possível. Quem sabe até mais do que os dezesseis anos de alegrias que aproveitou com o seu gato.
.
Nada disso importava. Respirou fundo. O perfume o preencheu. Olhou para a cachorrinha e disse: essa flor é um Jasmim e era a flor do Cassagemas, o gato que parecia um cachorro. Tu ia gostar dele também.
.
Estavam os três ali.
Sentir tudo aquilo era mágico.
Algumas coisas são inexplicáveis.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
.
#cronicas #escritaafetiva #escritoscomcoracao #cotidianoemtexto #textosleandroselister